Com 20 anos completos nesta sexta-feira (23/9), a Lei da Arbitragem superou a fase de análise sobre a possibilidade do método de solução de conflitos para a administração pública e iniciou um novo período marcado pelas questões mais práticas do procedimento. É a análise do presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), Carlos Forbes, que destaca que a revisão de 2015 do texto foi um dos marcos para a evolução da área no Brasil.
Além dessa reforma do texto legislativo, Forbes ressalta a importância de leis específicas que apresentaram autorizações legais para a arbitragem ser feitas com entes da administração pública. Lei de Concessão, Permissão e Autorização de Serviços Públicos, Lei de Telecomunicações, Lei dos Transportes, Lei de Parcerias Público Privadas e Lei da Partilha são alguns dos exemplos.
O presidente do Cam-CCBC destacou ainda que um dos primeiros marcos desta jornada foi o caso Lage de 1973 (STF AI 52.181/GB), resultado de uma incorporação ao patrimônio nacional de bens e direitos das empresas da Organização Lage, por conta do estado de guerra declarado em 1942. Passados alguns anos, observou-se uma longa fase de discussões envolvendo as sociedades de economia mista, com especial destaque para os casos Copel e UEG Araucária (TJ-PR, 2004, MCI 160.213DOF-7/PA e MS 161.371-8) e Compagás e Carioca Passarelli (TJPR, 2004, AC 247.646-0/PA).
“É fato que muitas descobertas ainda estão por vir. Caberá às partes, aos advogados, aos árbitros e às instituições arbitrais consolidar a interpretação de regulamentos, estabelecer práticas e adaptar-se às custas de um procedimento administrado em sede privada”, comentou”, afirma Forbes.
A revista eletrônica Consultor Jurídico conversou com outros advogados especialistas em arbitragem para saber como a lei evoluiu nesses 20 anos e o que falta para o método se desenvolver de forma ainda mais plena no Brasil.
Participaram Ricardo Ranzolin, sócio de Silveiro Advogados e vice-presidente da Comissão de Arbitragem do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Arnoldo Wald, jurista referência em arbitragem e Roberto Pasqualin, sócio sênior do PLKC Advogados e presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima).
Leia abaixo: ConJur – Em quais aspectos a lei foi fundamental para firmar a arbitragem no Brasil? Ricardo Ranzolin – Com a edição da Lei de Arbitragem, e sobretudo com a garantia de sua constitucionalidade, pelo julgamento do STF, o Brasil passou a ter uma legislação atualizada e em sintonia com o mundo civilizado. A principal inovação da Lei de Arbitragem foi a adoção da regra que está nos seus artigos 6º e 7º e atribui enforcement à cláusula compromissória — aquela que é contratada antes de haver qualquer conflito entre as partes. Sob a legislação anterior, só o compromisso arbitral obrigava as partes à arbitragem, o que, na prática, tornava letra morta a possibilidade de uso do instituto.
Roberto Pasqualin – Primeiro, retirar as decisões dos árbitros fora de homologação judicial, o que fazia as decisões não serem finais. Segundo, permitir às partes a escolha livre de quem vai julgar o litígio, ao invés de serem obrigados a se submeter a um juiz escolhido pelo Estado. Terceiro, impedir recursos da sentença arbitral, o que torna os processos muito mais rápidos.
Arnoldo Wald – Assegurou-se a liberdade de escolha dos árbitros e evitou-se a possibilidade de recursos descabíveis, prevendo com precisão, os casos de anulação num sistema de numerus clausus e simplificando a homologação de sentença estrangeira. O fato de se excluir a necessidade de homologação da decisão arbitral interna e de não mais exigir uma dupla homologação quanto às sentenças estrangeiras, a definição adequada do sentido da sentença nacional, a admissão de cautelares e o reconhecimento do princípio da Kompetenz-Kompetenz, tanto no seu aspecto negativo quanto positivo, completaram o texto. O campo de aplicação da arbitragem foi substancialmente consolidado e ampliado, especialmente pelo aproveitamento das conquistas jurisprudenciais, adaptando-se as soluções do direito estrangeiro, em relação especialmente ao direito societário, ao direito administrativo, à sentença parcial e aos seus efeitos, às comunicações entre os árbitros e o Poder Judiciário, procurando-se ainda, uma melhor definição no tocante aos problemas trabalhistas e de consumo.
ConJur – Como foi a evolução da aplicação da lei nesses anos? Ricardo Ranzolin – A arbitragem se desenvolveu muitíssimo em termos doutrinário e jurisprudencial no país, chamando a atenção de juristas estrangeiros que se dedicam ao estudo do Direito Comparado. O STF veio a garantir a constitucionalidade de toda a lei e os Tribunais Estaduais e, sobretudo o STJ, vem construindo sólida jurisprudência favorável ao desenvolvimento da arbitragem. Exemplo disso, é a admissão da validade da contratação da arbitragem por parte da administração pública direta e indireta, o entendimento jurisprudencial consolidado acerca da forma pela qual as liminares são deferidas na arbitragem, e a limitação da contratação da arbitragem nas relações de consumo. A lei que recentemente veio a aprimorar a Lei de Arbitragem quase que se baseia nos avanços que a jurisprudência havia consagrado.
Roberto Pasqualin – Até a decisão do STF pela constitucionalidade da Lei de Arbitragem, pouco evoluiu. Depois, pelo apoio firme do STJ e dos tribunais de justiça, a arbitragem ganhou notável impulso, está consolidada como método adequado de solução de litígios fora do Judiciário, com toda a segurança jurídica.
Arnoldo Wald – Há 20 anos, quando foi promulgada a Lei 9.307, nem mesmo os mais otimistas podiam prever a rapidez que teria sua evolução, na prática e na jurisprudência, e a eficiência com a qual o instituto seria implantado no direito brasileiro. Vinte anos depois, a arbitragem tornou-se matéria discutida nos jornais, sendo objeto de cláusulas banalizadas, que até mereceriam maior estudo para cada caso concreto. A bibliografia brasileira existente na matéria, publicada nos últimos 20 anos, deve ser uma das maiores do mundo, comparando-se com as de outros países no mesmo período. Conta com cerca de 150 livros, e mais de mil artigos, sendo uma meia-centena deles publicada no exterior. O próprio Estado, enfatizando a importância da liberdade contratual, sem prejuízo da regulação, reconhece a impossibilidade do Judiciário resolver, em tempo razoável, todos os problemas, das mais variadas naturezas, atuando de modo justo e eficiente, conforme determina a EC 45, que incluiu na nossa Constituição o artigo 5º, LXXVIII.
ConJur — O que falta a lei para a arbitragem se desenvolver anda mais no Brasil? Ricardo Ranzolin – A arbitragem pode se desenvolver mais geograficamente, pois ainda se observa certa concentração no eixo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e pode ser mais utilizada em conflitos do agronegócio e da própria construção civil nas grandes obras públicas, e nas relações entre particulares e a administração pública, seja União, estados e municípios.
Roberto Pasqualin – Ainda falta que a arbitragem seja melhor conhecida pelo Brasil todo, para além dos grandes centros do Sul e Sudeste onde ela já se consolidou. Faz-se necessário levar o ensino e a prática arbitral para as diversas regiões do país que ainda veem a judicialização dos conflitos como a única forma para sua solução. Faz-se necessário incluir a arbitragem como disciplina obrigatória no curso de graduação das faculdades de Direito, a maioria das quais só trata a arbitragem como disciplina opcional ou de pós-graduação. Até hoje se ensina muito como litigar judicialmente e muito pouco como resolver litígios fora do Judiciário.
Arnoldo Wald – Existem alguns campos que merecem ser estudados com certa urgência, dentre eles a arbitragem fast track, feita em pouco tempo (alguns meses) e com custo baixo. Outro setor viável para aprimorar o movimento da máquina judiciária, seria a adoção de arbitragem para litígios de grupos, inspirando-se na class action do direito norte-americano. Finalmente, os nossos tratados internacionais poderiam prever uma solução por arbitragem dos conflitos entre os investidores estrangeiros e o Estado, cujas empresas recebem os recursos. A arbitragem seria a solução quando há ruptura pelo Poder Público da segurança jurídica, ou dos direitos patrimoniais de quem fez um investimento acreditando na manutenção da legislação e regulação e nas garantias do país hospedeiro.
Por Fernando Martines, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de setembro de 2016, 8h29
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