Uma disputa de centenas de milhões de reais entres duas potências do mundo do entretenimento e da economia corre fora dos tribunais. Os dois lados optaram pela arbitragem — um terreno onde ambos concordaram na escolha do árbitro, aceitam que a decisão seja irrecorrível, travam sua luta em silêncio, longe dos meios de comunicação. A Lei 9.307/96, ou Lei da Arbitragem, já ultrapassou os 20 anos de vida e de sucesso; e, especialmente nos litígios de maior porte, a arbitragem está ganhando cada vez mais espaço.
Ainda não se trata de uma instituição de uso habitual: tanto entre a população quanto, até mesmo, entre os operadores de Direito, há amplo desconhecimento acerca da arbitragem. É possível tirar maior aproveitamento de suas vantagens, explorando seus mais diversos aspectos.
Atuando na área de perícias técnicas há mais de 35 anos, tenho a oportunidade de acompanhar a evolução das arbitragens desde os primeiros procedimentos. Atuei como árbitro, perito arbitral, assistente técnico, testemunha técnica e consultor técnico em diversas fases de arbitragens, envolvendo os mais diversos temas e com ampla gama de valores em disputa.
Em cada experiência, tive a nítida percepção de trabalhar num instituto que está evoluindo, e pode evoluir cada vez mais. Especialmente em minha área de atuação, sempre ligada à prova técnica, há muitos aspectos que, acredito, merecem aperfeiçoamentos e reflexões.
O primeiro ponto a destacar é a escolha do árbitro. A opção por árbitro técnico, especializado no tema em discussão, pode representar economia no custo do procedimento. Mas tem, saliento, duas grandes desvantagens: um árbitro sem formação jurídica não tem, em geral, conhecimentos legais suficientes para plena compreensão dos dispositivos que regem a arbitragem, nem para proferir sentença que atenda a todos os requisitos formais e de conteúdo. Quando não é prevista a apresentação prévia de laudo ou de considerações técnicas pelo árbitro antes da sentença, o conhecimento pelas partes do entendimento dessas questões pelas partes somente surge na sentença arbitral, que, por não ser sujeita a recurso, não abre a possibilidade de manifestações críticas.
Outro ponto importante, que a meu ver deve merecer atenção no estabelecimento das regras de cada arbitragem, refere-se a testemunhas técnicas. Testemunhas técnicas, diferentemente das testemunhas de determinada ocorrência, são chamadas para apresentar aos árbitros considerações sobre temas técnicos de suas especialidades. Por mais conhecimentos que um profissional tenha sobre sua área de atuação, é impossível que esteja preparado para depor sobre temas amplos, sem análises prévias.
Entendo, assim, que que deve haver prévia apresentação, pelas partes, das questões específicas que deverão ser abordadas pelas testemunhas técnicas. Nos casos em que isso não ocorre, os depoimentos se transformam em gincanas, em que a oportunidade de obter informações técnicas relevantes das testemunhas é substituída pela busca de reais ou aparentes contradições; ou da falta de determinados conhecimentos muito específicos das testemunhas, para tentar reduzir a relevância de suas exposições.
Também devem merecer o máximo de atenção os critérios de escolha dos peritos pelo árbitros. Tenho observado que peritos com experiência e visão prática da questão em debate e, simultaneamente, detentores de conhecimentos pelo menos básicos de perícias técnicas produzem trabalhos muito mais eficazes para os árbitros do que profissionais que concentram seus conhecimentos na teoria da matéria.
Nos casos em que atuei, pude constatar que acadêmicos podem trazer contribuições muito valiosas como consultores ou assistentes de peritos arbitrais, mas muitas vezes não conseguem transportar para os autos as análises práticas que, com frequência, são fundamentais para firmar a convicção dos árbitros.
Nos tópicos ora apresentados, minha intenção foi de apenas relatar algumas questões observadas na prática em arbitragens das quais participei.
Analisando o conjunto desses temas, bem como o andamento dos diversos procedimentos arbitrais, concluí que é de suma importância para o bom andamento de qualquer arbitragem a prévia definição de todas as intervenções de técnicos, para evitar problemas como os aqui relatados e também o excesso ou redundância de provas que afetem a celeridade do procedimento e onerem as partes.
Em resumo, a arbitragem já é vantajosa, oferecendo uma série de vantagens sobre disputas judiciais. Mas ainda tem muito a melhorar.
Por Flavio Figueiredo, consultor, engenheiro civil, conselheiro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo e diretor da Figueiredo & Associados Consultoria.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2018, 7h06
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