Basta ler as notícias do dia para concluir que o mundo está repleto de conflitos de todas as naturezas. A triste realidade global é que a intolerância tem predominado, com o agravante no caso do Brasil de que há tempos o Poder Judiciário tem-se mostrado incapaz de solucionar, a contento, a quantidade quase que imensurável de disputas que são submetidas diariamente à apreciação dos magistrados.
Nesse contexto, constatamos que a utilização dos meios alternativos de resolução de conflitos — ou Alternative Dispute Resolution (ADR) — está se tornando prática cada vez mais recorrente para evitar os infindáveis anos de disputa nos tribunais brasileiros. Não por acaso, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16/3/2015) e a nova Lei de Mediação (Lei 13.140, de 26/6/2015) instituíram a promoção da solução consensual de conflitos como princípio essencial do nosso ordenamento jurídico.
Por meios alternativos de resolução de conflitos entenda-se a negociação, a mediação e arbitragem. Embora seja crescente a adoção da arbitragem como alternativa de resolução de conflitos (sobretudo em questões complexas ou com relevante valor econômico envolvido), principalmente após a Lei 9.307, de 23/9/1996, conhecida por Lei de Arbitragem, essa alternativa é adotada quando o litígio já está instaurado, ou seja, as partes envolvidas na disputa delegaram a terceiros a resolução por incapacidade de chegar a uma resolução consensual. O foco aqui é a fase pré-litigiosa, quando se presume que ainda existe espaço e interesse das partes em solucionar a controvérsia de modo consensual.
Um fato preocupante dentro desse contexto é que os cursos de graduação em Direito no Brasil são essencialmente focados na atuação litigiosa e não preparam adequadamente os futuros advogados para solucionar conflitos de forma consensual. A própria OAB, ao distribuir aos seus afiliados adesivos com os dizeres “sem advogado não se faz justiça”, reforça a imagem de que o papel do advogado é defender os direitos dos seus clientes mediante a atuação no Poder Judiciário.
Porém, os clientes dos escritórios de advocacia têm percebido que melhor do que ter alguém que saiba defender seus direitos é ser assessorado por alguém capaz de apresentar soluções que preservem os interesses do representado. A diferença entre direitos e interesses é sutil, mas relevante no planejamento da estratégia a ser adotada para a solução do problema que se apresenta.
A defesa litigiosa de direitos exige investimento de tempo e recursos, causa desgaste emocional, e de reputação em alguns casos, e raramente chega ao fim com a possibilidade de continuidade de alguma forma não conflituosa de relacionamento entre as partes envolvidas no litígio. Já a defesa de interesses requer a compreensão de todas as consequências indesejadas que poderão decorrer do litígio, ainda que o cliente saia “vitorioso” ao término da demanda, e dos benefícios que as partes envolvidas na controvérsia terão caso cheguem a uma solução consensual para a questão em debate.
Durante o estágio das negociações, não é incomum os advogados das partes serem excluídos da mesa para evitar que o clima “esquente” demais. Isso ocorre porque, além de os advogados serem treinados para o litígio, poucos sabem executar na prática a diferença entre negociações distributivas e integrativas. Mais importante do que trazer à mesa argumentos consistentes para legitimar o direito do cliente à maior fatia do bolo, faz a diferença o advogado que consegue incentivar as partes a ter uma postura integrativa visando o crescimento do bolo, à medida que os interesses de ambos os lados são igualmente considerados, a popular relação “ganha-ganha”. A fatia do bolo de ambas as partes tende a ser maior quando a negociação é integrativa.
Mas em algumas situações as partes podem estar envolvidas demais com os seus próprios interesses, sendo necessário que um terceiro neutro, o mediador, as auxilie a analisar todas as opções existentes para a solução da controvérsia e a melhor forma de garantir que nenhuma das partes seja prejudicada.
O papel do mediador não é julgar ou emitir juízo de valor, mas facilitar a comunicação entre as partes, preservar o relacionamento entre elas e estimular, de forma pacífica, a análise conjunta de todas as possíveis alternativas para a resolução do problema.
Os advogados devem entender que o seu papel na mediação não é convencer o mediador, como ocorreria na disputa judicial ou arbitral, mas auxiliar as partes na construção de mecanismos que possibilitem acomodar de forma legal e apropriada os seus interesses. Essa forma de atuação exige mais do que conhecimento jurídico, requer habilidade negocial, criatividade, capacidade de comunicação e inteligência emocional.
Portanto, com a irreversível tendência e necessidade de a sociedade evitar as formas litigiosas para solução de conflitos, por todos os inconvenientes decorrentes já abordados, os advogados, as escolas da Direito e a OAB precisam com urgência repensar o modelo de exercício da advocacia em vigor e se prepararem de forma adequada para as novas exigências que estão sendo impostas pelo mercado.
Por Gustavo Pires Ribeiro, advogado e coordenador da área societária do Marins Bertoldi Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de dezembro de 2017, 6h20
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