RESUMO: A arbitragem, nos termos da Lei de Arbitragem brasileira, aplica-se a conflitos relacionados a direitos patrimoniais e disponíveis, corroborando, nesse sentido, o entendimento de que a regulação arbitral se alinha ao âmbito estritamente privado. Todavia, uma parcela da doutrina argumenta no sentido da possibilidade de opção pela arbitragem em conflitos ambientais, motivo pelo qual se desenvolve o presente artigo.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A ARBITRAGEM. 2. DIREITO AMBIENTAL E A ARBITRAGEM. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
INTRODUÇÃO
O trabalho vertente tem por escopo traçar linhas sobre a arbitragem em Direito Ambiental, aventando, para tanto, argumentos a serem considerados no intuito de que se forme uma opinião sobre a aplicação de um direito amplo, como é o Direito Ambiental, no campo arbitral.
Em um processo arbitral que envolve um conflito de Direito Ambiental, a título ilustrativo, poder-se-ia, em sede de fundamentação preliminar ou de procedimento, apregoar a incompetência do tribunal arbitral quanto ao julgamento de litígios atinentes ao Direito Ambiental, o qual, segundo se expõe em plano doutrinário, pertence ao ramo do Direito Público.
1. A ARBITRAGEM
A arbitragem é considerada, pelos estudiosos do Direito, um meio alternativo de resolução de conflitos. Argumenta-se, logo, que o processo judicial, em regra, não se apresenta como um instrumento célere para a resolução de um conflito, um litígio entre as partes que se submetem à substitutividade lastreada pela decisão do magistrado, em que pese os ditames constitucionais afetos ao tema. Conforme a Lei de Arbitragem, em suas disposições gerais:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade[1].
No meio empresarial, principalmente, a celeridade na resolução de eventuais conflitos contratuais configura-se primordial para o exercício da empresa, bem como do empreendimento ao qual se vincula o contrato estipulado entre os pactuantes, consoante asseveram renomados patronos do meio corporativo. A rapidez do processo arbitral, nesse passo, é aduzida como um dos pilares da escolha pela arbitragem em detrimento do meio judicial.
Esta é uma das razões pelas quais parte dos escritórios de advocacia tem orientado seus clientes a colacionar, nos seus contratos, a cláusula compromissória, que tem por finalidade instituir o compromisso das partes na perspectiva da opção pela arbitragem em caso de ulteriores conflitos advindos do contrato.
A arbitragem, no diapasão em apreço, se coaduna ao Direito Privado, tendo em vista a disponibilidade e a patrimonialidade dos direitos com os quais lida.
Na senda da Lei de Arbitragem,
Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.[2]
2. DIREITO AMBIENTAL E A ARBITRAGEM
No que concerne ao Direito Ambiental, os autores argumentam que o mesmo pertence ao ramo do Direito Público, de modo que a Carta Magna assegurou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de acordo com o artigo 225.
Segundo Celso Fiorillo (2013, p. 66), “um dano ao meio ambiente, que é direito difuso, pode gerar consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, que poderão ser cumulativamente exigidas em sede de ação de responsabilidade”. Sabendo-se, destarte, que um dano ao meio ambiente pode gerar implicações patrimoniais e extrapatrimoniais, infere-se que uma parte da doutrina indaga se as implicações patrimoniais decorrentes de violação ao direito ao meio ambiente, que é direito difuso, são arbitráveis, isto é, passíveis de submissão ao crivo do tribunal arbitral.
Além disso, parte dos autores arguem se é possível a escolha da arbitragem como meio de resolução de conflitos para consequências extrapatrimoniais da violação ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Um exemplo é a mensuração dos danos morais a um grupo de pescadores afetado por poluições ocasionadas pela atividade de uma grande empresa. Os danos morais exsurgem, nesse caso, da violação a um direito difuso, restando uma celeuma sobre a possibilidade ou não de opção do processo arbitral para a resolução de conflitos.
Frederico Amado (2011, p. 349), a seu turno, dissocia o dano ambiental do dano patrimonial. Na sua compreensão, o dano ambiental se relaciona à lesão ao direito fundamental associado ao meio ambiente, ao passo que o dano patrimonial se concretiza na desvalorização, por exemplo, de um imóvel em razão da poluição de determinada área.
Marcelo Abelha (2016, p. 390) distingue, em sua doutrina, danos ao meio ambiente de danos pessoais, conforme se denota a seguir:
Estamos entendendo que os danos ao meio ambiente são autônomos e diversos dos danos pessoalmente sofridos pelas pessoas. Obviamente que o fato causador da lesão ao bem ambiental e seus componentes poderá gerar, além da lesão ao meio ambiente (difusamente considerado), outros danos sofridos individualmente por particulares e cuja reparação só trará benefícios a pessoas determinadas. É o caso, por exemplo, do derramamento de óleo ocorrido na baía de Guanabara em janeiro de 2000, quando a Petrobras foi responsável pelo despejo de 800.000 litros de óleo no local. Sem dúvida, o meio ambiente (praias, fauna ictiológica e o próprio equilíbrio ecológico) foi lesionado e precisa ser reparado. Essa reparação, consistente em recuperação da área degradada, medidas de prevenção futuras, educação ambiental, etc., é difusa, porque os titulares desse bem também são difusos (uso comum do povo). Essa reparação é ontologicamente diversa da reparação dos danos que cada indivíduo ou grupo de indivíduos possa ter sofrido em virtude do mesmo acontecimento. Certamente, os pescadores poderão cobrar por perdas e danos e lucros cessantes (pelas redes estragadas, pelo pescado perdido e pelo que deixarão de ganhar); os donos de imóveis ribeirinhos, pelos prejuízos que podem ter daí advindo; as fábricas que se utilizam daquela água para irrigação, pelos prejuízos causados; as pessoas que comerem os peixes, por se contaminarem; as empresas de turismo marítimo da região, pelos prejuízos sofridos, etc. Esses danos são particulares e, embora tenham em comum com o dano ambiental a origem (poluição), possuem natureza diversa do dano causado ao equilíbrio ecológico.
Ante o exposto, perfilha-se, nesta breve reflexão o entendimento segundo o qual, em virtude da distinção entre o direito difuso ao meio ambiente, que abarca um número indefinido de titulares e as implicações ou consequências provenientes da sua violação, a arbitragem é possível em conflitos relativos aos aspectos ambientais, desde que se limitem aos aspectos patrimoniais e disponíveis. Quanto aos danos extrapatrimoniais decorrentes dos campos individuais, advoga-se pela possibilidade de serem submetidos a arbitragem, posto que contemplam reflexos da violação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No Recurso Especial 1175907, a tese vencedora foi fundamentada na possibilidade de aferição de danos morais sob os ângulos individual e coletivo em casos de poluição e degradação ambiental, como se percebe abaixo:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores – em sua causa de pedir e pedido – pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea “c” do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento[3].
CONCLUSÃO
Dessa forma, percebe-se que a arbitragem se associa à patrimonialidade e à disponibilidade dos direitos em jogo, de modo que, caso a natureza dos direitos seja colocada em discussão, exsurgem posicionamentos díspares acerca da possibilidade de serem julgados esses casos por intermédio da via arbitral.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido constitucionalmente, constitui um direito fundamental e, pela caracterização do direito ao meio ambiente como difuso, alguns doutrinadores não visualizam uma permissão legal e sistemática para a aplicação da arbitragem a conflitos ambientais.
O ponto explanado neste ensaio diz respeito às consequências do desrespeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, implicações estas que podem ter caráter notadamente patrimonial, como também moral. Quando observado o parâmetro dos direitos individuais nessas implicações, sustenta-se, no estudo em exame, a possibilidade de utilização da arbitragem como um meio para resolução de conflitos associados ao meio ambiente.
BIBLIOGRAFIA
RESP 1175907 / MG. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Data de julgamento: 19/08/2014.
LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. Dispõe sobre a Arbitragem.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco Curso de direito ambiental brasileiro. 14. Ed. São Paulo : Saraiva, 2013.
AMADO, Frederico Augusto di Trindade. Direito ambiental esquematizado. São Paulo: Método, 2011.
NOTAS:
[1] LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. Dispõe sobre a Arbitragem.
[2] LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. Dispõe sobre a Arbitragem.
[3]RESP 1175907 / MG. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Data de julgamento: 19/08/2014.
Por Thomaz Muylaert de Carvalho Britto, bacharelando em Direito pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador-geral da Revista de Direito dos Monitores (RDM) da Universidade Federal Fluminense. Bolsista do PIBIC pela Universidade Federal Fluminense
Fonte: Conteúdo Jurídico – 23 de Dezembro de 2016 04h15
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